Mariângela Hungria e Paulo Camargo - fixaçaõ biológica de nitrogênio | Descascando a Ciência

Fixação biológica de nitrogênio: a micro-revolução verde de Mariangela Hungria

Descascando a Ciência em 23 de junho de 2025

Conheça a micro-revolução verde de Mariangela Hungria e como a fixação biológica de nitrogênio transforma a agricultura e o meio ambiente.

A pesquisadora brasileira Mariangela Hungria, da Embrapa Soja, foi escolhida para receber o World Food Prize, o mais importante prêmio internacional voltado à segurança alimentar e à pesquisa agrícola. O prêmio pode ser comparado a um Nobel. E, para a ciência brasileira, é motivo de orgulho: Mariângela é a primeira mulher brasileira a receber essa honraria — fruto de décadas de pesquisa com fixação biológica de nitrogênio e inovação em bioinsumos agrícolas.

Criado em 1986 por Norman Borlaug, vencedor do Nobel da Paz por seu trabalho com pesquisas agrícolas voltadas ao aumento da produtividade no campo, o World Food Prize reconhece cientistas, inovadores e líderes que contribuíram para melhorar a qualidade, quantidade ou acesso aos alimentos no mundo. Em comum, os laureados transformaram conhecimento em impacto real. E esse é exatamente o caso de Mariângela Hungria.

Nesse artigo, vamos falar sobre a inovação que a Dra. Mariangela pesquisou, comprovou, transformou em tecnologia e implementou na agricultura mundial — e isso envolve nutrientes, fertilizantes, microrganismos, genética e produção sustentável de alimentos.

Nitrogênio, fertilizantes e uma nova forma de cultivar

Você provavelmente já ouviu falar em fotossíntese — é a principal forma de as plantas produzirem seu próprio alimento e crescerem. Quem tem planta em casa sabe: além de sol, elas também precisam de um bom solo, adubo e água.

Na agricultura, o termo técnico para adubo é fertilizante, e ele representa uma parte significativa dos custos de produção da lavoura. Os fertilizantes são essenciais porque fornecem nutrientes indispensáveis ao crescimento e desenvolvimento das plantas, e são classificados em macro e micronutrientes, de acordo com a quantidade em que são absorvidos pelas plantas.

Entre os macronutrientes, o nitrogênio se destaca como um dos mais importantes — ele é fundamental para a formação de proteínas, ácidos nucleicos e outros compostos vitais.

Mas aqui entra o plot twist: embora o nitrogênio represente cerca de 78% do ar que respiramos, a maioria dos seres vivos, incluindo as plantas, não consegue utilizá-lo diretamente na forma gasosa. Apenas alguns microrganismos têm essa capacidade.

Microrganismos: os aliados invisíveis da agricultura

Durante muito tempo, a principal forma de fornecer nitrogênio às plantas foi por meio de fertilizantes químicos. As bactérias fixadoras de nitrogênio já eram conhecidas, mas ainda não havia uma forma eficiente e viável de aplicá-las na agricultura como tecnologia.

Foi apostando na hipótese de que esses microrganismos poderiam ser usados como parceiros dos fertilizantes químicos que a Dra. Mariângela Hungria dedicou sua carreira à pesquisa. Ela trabalhou para isolar, estudar e selecionar bactérias fixadoras de nitrogênio adaptadas às condições dos solos brasileiros, especialmente o Cerrado.

Hoje, com o avanço das tecnologias chamadas inoculantes, a fixação biológica de nitrogênio — o processo simbiótico entre bactérias e plantas — é reconhecida como o segundo processo mais importante para o crescimento vegetal, atrás apenas da fotossíntese.

 

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Do solo ao laboratório: onde nasce uma tecnologia

Foram décadas isolando bactérias do solo — entre elas, cepas de rhizobia —, cultivando e estudando em laboratório, realizando experimentos em casa de vegetação e em campo, sempre buscando entender a interação entre esses microrganismos e as plantas.

Mariângela acompanhou de perto os efeitos da inoculação dessas bactérias nas lavouras, avaliando o impacto direto no aumento da produtividade. Testou o desempenho das cepas sob diferentes condições ambientais, selecionou genótipos de plantas com melhor resposta aos microrganismos e transformou todo esse conhecimento em tecnologias acessíveis ao produtor.

Seu trabalho percorreu todas as etapas da ciência — da pesquisa básica sobre a evolução das bactérias até a aplicação prática no campo, com o desenvolvimento de inoculantes microbianos eficientes. Uma ciência feita com método, propósito e impacto real.

Foram desenvolvidas mais de 30 tecnologias com Bactérias Fixadoras de Nitrogênio (FBN), aplicadas principalmente em culturas como soja, feijão, milho e trigo. Hoje, o uso de inoculantes microbianos com essas bactérias cobre mais de 40 milhões de hectares no Brasil, gerando uma economia de aproximadamente 25 bilhões de dólares por ano para os produtores. Além disso, a substituição parcial dos fertilizantes químicos por essas tecnologias evitou a emissão de cerca de 230 milhões de toneladas de CO equivalente, contribuindo diretamente para a mitigação das mudanças climáticas.

O próximo passo da fixação biológica de nitrogênio

E a pesquisa continua. Atualmente, a equipe da pesquisadora Mariangela Hungria segue estudando a diversidade genética de microrganismos fixadores de nitrogênio, entre eles espécies como Bradyrhizobium japonicum e B. diazoefficiens, amplamente utilizadas na cultura da soja.

A partir da análise de dezenas de cepas, os pesquisadores estão investigando quais genes estão envolvidos na adaptação a diferentes tipos de solo, na eficiência da fixação biológica de nitrogênio e na capacidade de competir por espaço nas raízes das plantas. Um dos focos atuais do grupo é o estudo do pangenoma, que permite entender quais genes são comuns a todas as cepas e quais aparecem em função do ambiente ou da planta hospedeira.

Pangenoma - fixação biológica de nitrogênio - Mariângela Hungria | Descascando a Ciência

Com essas informações, é possível identificar variantes mais eficientes, adaptadas a diferentes condições climáticas e regiões agrícolas do Brasil. Tudo isso com o objetivo de desenvolver novos produtos biológicos ainda mais eficazes, sustentáveis e personalizadas, contribuindo para uma agricultura com menos impactos ambientais, mais produtividade e menor dependência de insumos químicos.

Por trás dos bioinsumos, muita ciência

A base científica construída pela equipe da Dra Mariângela e outros pesquisadores da área é fundamental para garantir que os produtos biológicos utilizados no campo — também chamados de bioinsumos — tenham qualidade, segurança e eficiência. Saber a origem, o comportamento e a variabilidade genética desses microrganismos é essencial para que os agricultores recebam tecnologias confiáveis, com resultados consistentes na lavoura e impactos positivos para toda a cadeia produtiva.

Microrganismos e uma nova revolução verde: o legado de uma cientista brasileira

De fato, Mariangela Hungria tem promovido uma nova revolução verde — microbiológica, ou “micro-revolução” verde, como ela mesma chamou. Os benefícios para a agricultura, o meio ambiente e a segurança alimentar são imensos. E o mais impressionante: tudo isso é fruto do trabalho de uma mulher, de uma cientista brasileira, de uma pesquisa pública, mas que também teve investimento do setor privado e comprometida com o futuro.

É por isso que é tão importante que a sociedade conheça quem está por trás das soluções que alimentam o mundo. Valorizarmos a ciência nacional e os pesquisadores que transformam conhecimento em impacto real é essencial para construir um país mais justo, sustentável e soberano.

Aqui no Descascando a Ciência, essa também é a nossa missão: trazer a ciência para perto das pessoas, mostrar o que está por trás das tecnologias, conectar laboratórios ao cotidiano. E histórias como a de Mariângela Hungria nos lembram por que isso importa tanto.

Principais referências

Klepa, M. S., diCenzo, G., C., & Hungria, M. Comparative genomic analysis of Bradyrhizobium strains with natural variability in the efficiency of nitrogen fixation, competitiveness, and adaptation to stressful edaphoclimatic conditions. Microbiology Spectrum, 2024.

Terra, L., A., Klepa, M., S., Nogueira, M., A., & Hungria, M. Pangenome analysis indicates evolutionary origins and genetic diversity: emphasis on the role of nodulation in symbiotic Bradyrhizobium. Frontiers in plant science, 2025.

2025: Hungria. Disponível em: https://www.worldfoodprize.org/en/laureates/2025_hungria/. Acesso: 22/05/2025.

Texto desenvolvido por

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